Imagine que, certo dia, você seja acusado de algo muito grave.
Imagine que sejam determinadas data e hora para que você confronte seu acusador.
Imagine que seu acusador não compareça.
O que você acha que deveria acontecer?
No Código de Processo Penal, se o acusador é uma pessoa comum, um cidadão ofendido em sua honra, por exemplo, o desfecho é a aplicação do artigo 60, III, e a acusação é encerrada (situação que denominamos como perempção).
Mas e se o acusador é um Promotor de Justiça, agente político do Estado, remunerado pelos contribuintes brasileiros, e que tem a obrigação funcional de comparecer às audiências?
Segundo o Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, a ausência do Promotor nada muda.
Veja a decisão a seguir:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. AUSÊNCIA DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. 1. Esta SUPREMA CORTE já decidiu que “a ausência do representante do Parquet na audiência de instrução e julgamento, apesar de devidamente intimado, não impede que o Magistrado prossiga com o ato”, bem como “não obsta o Juiz de promover a inquirição das testemunhas, desde que respeitadas às formalidades previstas no Código de Processo Penal Brasileiro” (HC 135.371/SC, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 11/10/2016). No mesmo sentido: HC 204.775/MG, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 17/8/2021. 2. Nessas circunstâncias, não há que se falar em violação do sistema acusatório, sobretudo porque a legislação processual penal, em decorrência dos princípios da busca da verdade real e do impulso oficial, previu hipóteses de atuação, como na espécie, pelo Juiz processante (CPP, arts. 209 e 212). 3. Além disso, ficou registrado que não se observa nenhum prejuízo à defesa, que, inclusive, esteve presente na audiência ora atacada. Ainda, o impetrante nem sequer indicou de que modo a renovação do referido ato processual com a presença do Ministério Público poderia beneficiar o acusado, limitando-se a apontar, mediante considerações genéricas, violação ao devido processo legal. 4. Responsabilidade penal do paciente amplamente examinada e decidida em sede própria (primeira e segunda instâncias, incluindo Revisão Criminal). 5. Agravo Regimental a que se nega provimento.
(HC 212669 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 04/04/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-067 DIVULG 05-04-2022 PUBLIC 06-04-2022)
Na visão do Ministro, o Juiz acaba assumindo a responsabilidade de exercer a função do Promotor desidioso em audiência.
Aquele que deveria ser imparcial (juiz) tem de chamar para si a função de parte e, ainda, aplicar a pena ao infrator.
Essa é mais uma das decisões do Ministro Alexandre de Moraes que corrobora com o caráter autoritário de boa parte do Poder Judiciário Brasileiro.
Ministro, se a ausência do Promotor na audiência não viola o sistema acusatório sobre o qual se assenta o processo penal brasileiro não sei mais o que viola.
É que minha limitada inteligência está muito aquém de sua ilimitada imaginação.
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